Texto: Guilherme Belém e Raíssa Ramos
Toda cidade urbana experimenta um movimento de contracultura, e durante muito tempo a rebeldia dos jovens tinha o som de guitarras distorcidas e baterias ansiosas. Para Porto Velho não foi diferente. Já nos anos 80 apareciam os primeiros ensaios dessa cena, mas foi no final dos anos 90 e começo dos anos 2000 que um barulho ensurdecedor começou a dominar as ruas portovelhenses. Feito através de gambiarras, divulgado por boca a boca e apresentado em lugares inusitados, o Rock se reinventou no contexto amazônico e fez surgir diferentes “pedras” e “metais” no Madeira. Um dos expoentes desse movimento é o vocalista e um dos fundadores da Banda Coveiros, Giovanni Marini que, em seus 24 anos de experiência, tem na memória os caminhos que a produção local percorreu até os dias de hoje. Já na época que o músico tinha começado a tocar, o Rock havia vivenciado diversas mutações, que se manifestavam em diferentes subgrupos dentro da cidade, como o movimento punk, o metal e os covers, principalmente de Nirvana: “Na mistura dessas três cenas, rolava uma coisa louca, às vezes uma dominava mais, às vezes se misturavam um pouco. O cover geralmente se juntava mais fácil do que o Punk e o Metal, sabe, por causa das brigas que às vezes rolavam de verdade. Mas quando acontecia de tudo se misturar, não importava quem tava dominando, a parada sempre bombava, lotava a casa toda, com a galera pirando e curtindo muito”, finaliza.
Além de toda a intensidade das apresentações, havia também uma inocência que alimentava todos que pegavam uma guitarra na mão. Era um tempo em que se imaginava facilmente que tocar na praça do Aloísio Ferreira poderia ser o trampolim para conseguir um contrato com uma gravadora internacional para depois engatar numa turnê pelo mundo todo. As dificuldades eram muitas, mas isso só agregava valor à jornada. Tocar em eventos como feiras de ciências em escolas era comum, e mesmo em salas de aula, a energia das bandas incendiava a juventude. O Rock era um meio de extravasar a rebeldia e desprendimento intrinsecamente adolescentes. Não era sobre intelectualidade nas letras, mas sim sobre gritar contra o sistema, ou contra o prefeito, e deixar isso claro e direto. Hoje em dia, a cena está envelhecida, mas carrega consigo um legado de pioneirismo na música independente na capital portovelhense.
Outro tijolo no muro
Neste contexto, a banda Coveiros, teve início no ano 2000, dentro da sala de aula, no segundo ano do ensino médio. Na escola pública, Rio Branco, acontecia um evento de fim de ano chamado “aula da saudade”, organizado por uma professora de português. Os alunos podiam fazer o que quisessem: tinha gente dançando, declamando poesia, de tudo um pouco. Um dia essa professora deu a ideia de eles formarem uma banda e a sugestão foi o incentivo necessário para que eles decidissem topar o desafio. O Giovanni conta que eles não sabiam por onde começar, mas que estavam entusiasmados com a ideia de realizar um show: “A gente nem sabia tocar nada, essa é a real. Ninguém tinha habilidade musical, mas decidimos encarar mesmo assim. A professora sugeriu chamar um amigo dela, um guitarrista que podia nos dar um norte. Topamos na hora. Esse cara, ex-aluno da escola, nos conheceu e começamos a ensaiar. O lugar? A igreja evangélica dele, à meia-noite. Ele tinha uma chave e a gente achou que ninguém iria perceber, mas os vizinhos não deixaram passar batido, especialmente quando estávamos tocando Planet Hemp lá dentro.
Foi um problema rápido, e então buscamos outros locais para ensaiar, começamos a ensaiar em estúdios bem básicos aqui em Porto Velho. Era uma época difícil”, finaliza. O vocalista relembra como foi a primeira apresentação da banda e como surgiu o nome Coveiros. “Fizemos nossa primeira apresentação na escola, e tem até um vídeo disso no Youtube. Tocamos dois covers na época: “Born to be Wild do Steppenwolf” e “Aneurysm” do Nirvana. Foi emocionante, mesmo com todo o nervosismo. Depois do sucesso da apresentação, decidimos oficializar a banda. Num dos ensaios na igreja, subi no púlpito e brinquei que éramos a “Banda Coveiros”, mais a ‘Banda Coveiros’, mais como uma piada do que algo sério, mas o nome acabou pegando e permanece até hoje. E assim começou nossa jornada musical”. No vocal sempre esteve Giovanni Marini, e na bateria sempre foi o Delcleciano Monteiro. O guitarrista Helio Dantas, que eles descobriram depois ser o namorado da professora, permaneceu com a banda até por volta de 2009, quando se mudou para Manaus e optou por deixar o grupo. Em seguida, encontraram outro guitarrista, Walttemar Maia, que ficou com eles até o ano passado, quando o membro original retornou. Originalmente, não tinha baixista, sendo apenas guitarra, vocal e bateria. Enfrentaram muita dificuldade em encontrar um baixista permanente: alguns ficaram apenas alguns meses, outros até um ano. Finalmente, entrou o Iuri Micheletto, que começou com eles aos 12 anos e permanece até hoje. Assim, podem afirmar que essa formação atual, embora não seja a original, é a formação clássica da banda desde aproximadamente 2002. Além dos shows nas escolas e nos dias de estudante, um ponto em que todas essas subculturas se encontravam era na Oficina do Rock, do finado Heavy Ney. Tinha esse nome por funcionar numa oficina de carros, mas no último sábado do mês, o dono montava um show nos fundos do empreendimento e era sagrado comparecer, ninguém marcava nada nesse dia e era sempre lotado, independente do estilo tocado. A Oficina do Rock era onde os shows realmente aconteciam, mas nos outros dias, o ponto de encontro ficava na praça do antigo Ralf, que hoje é conhecida como praça Aluísio Ferreira. Às vezes, ao passarem por lá, lembram dos tempos em que costumavam se reunir ali, apenas com um violão, quando não havia show. Eventualmente, uma banda improvisava e tocava no coreto, em uma espécie de jam session.
A Coveiros passou por momentos inusitados, onde encontravam os lugares mais improváveis para ensaiar e fazer festas. Qualquer lugar vazio e com fiação elétrica, onde ninguém poderia incomodá-los, era um bom lugar para tocar. Casas abandonadas, quintais e até terrenos baldios já se tornaram palco: ”A gente tocou em alguns na Nova Porto Velho; mas era terreno baldio mesmo. A gente puxava energia da casa do vizinho e fazia um show no meio do terreno. Isso foi filmado, inclusive. É um dos eventos mais icônicos da minha geração e ficou conhecido como “Underground”, relata Marini. A história do rock portovelhense também tocou em lugares históricos: “A gente já tocou na Estrada de Ferro três vezes. O primeiro Grito Anarquista de 2002 e o segundo Grito Anarquista de 2003 a gente tinha um dos meninos que era eletricista. Ele fez um gato na Estrada de Ferro, ligou uma luz, ligou as caixas da galera, para iluminar, a gente jogou lixo dentro de um tonel e tocou fogo e ficamos lá.” Em outro ano, após conseguir uma aparelhagem de graça, tocaram na escadaria da Unir, enchendo todos os degraus, os gramados e a rua com pessoas enquanto eles tocavam na parte de cima. Giovanni chuta que tinha mais ou menos mil pessoas juntas ao redor deles.
Heróis
Hoje, a banda Coveiros é uma das mais antiga em atividade em Porto Velho, completando 24 anos em dezembro. Outras bandas da capital tiveram trajetórias mais tortuosas, parando, voltando, mas o impacto desses grupos continuam ressoando na lembrança. Uma delas era Merda Seca, de Porto Velho, que impressionou um dos membros fundadores, que viu o show deles antes mesmo de formar a banda Coveiros. Originalmente era composta por três membros, mas agora conta apenas com o guitarrista e o baterista, sendo que o vocalista mora em Salvador. Mesmo assim, a presença deles no recente evento, o Madeira Festival, foi marcante. Suas músicas, que a Coveiros ouvia nos anos 2005 e 2006, hoje são valorizadas e reconhecidas. Além da Merda Seca, outra banda clássica era a DHC (Delinquentes da Humanidade em Caos), que remonta aos anos 80 e 90. Surgiram na explosão do punk em Porto Velho após um show do Garotos Podres em 1989. A DHC gravou uma fita cassete que circulou mundialmente, chegando até mesmo a participar de uma coletânea na Finlândia, com músicas gravadas em Esperanto, uma língua sem nacionalidade. Mesmo após um período de inatividade, quando decidiram voltar em 2003, 2004, o impacto dos shows do grupo era tão grande que para muitos era como assistir ao Sepultura de frente. A banda Orbe, que inclusive retornou as suas atividades após um documentário focado na produção de Grunge no Brasil, deixou uma impressão duradoura devido aos shows intensos e performáticos, além de enfrentarem sérios problemas com drogas. Com um estilo que lembrava o Nirvana, lançaram um disco e marcaram presença na cena musical local. O show de lançamento desse disco, na Oficina do Rock, foi marcado por esse estilo desinibido. Todas essas bandas contribuíram para a formação e construção do som do grupo, mas não só de Rock vivem os rockeiros.
Se estivesse sendo entrevistado em 2001, Giovanni conta que seria um cara muito cabeça fechada para falar sobre o que curtia. No entanto, hoje, com 24 anos de banda e 40 anos de idade, todos na banda são formados, têm vida, filhos e outras experiências. Não são mais , como o próprio fala, “bitolados”, então cada integrante possui influências diversas. O Del é mais voltado ao punk, o Yuri curte brega, Nirvana e Raul Seixas, sendo um grande admirador deste último. O líder seria mais voltado ao thrash metal e hardcore, enquanto o guitarrista é ainda mais amplo, indo do brega ao black metal. No início, eram muito resignados ao punk hardcore, se algo tivesse uma guitarra limpa, o vocalista diria que não servia para a banda. Hoje em dia, não se importam mais com essas categorias. Se a música ficou boa, eles tocam, independente do estilo. Já fizeram até uma música romântica chamada “Closer”, que é meio blues, algo diferente do que costumavam fazer. Além das influências portovelhenses, a Coveiros se tornou o que é a partir do sucesso outras bandas brasileiras que estouraram na época, e que hoje são renomados nomes do rock.
Aliás, a banda teve a oportunidade de conhecer pessoalmente esses ídolos, realizaram ainda um sonho ao compartilhar o palco com eles. “Tivemos o privilégio de abrir shows de algumas das maiores bandas do Brasil, como Sepultura, Ratos de Porão (em duas ocasiões) e Krisiun. Mesmo com o fim do Sepultura, essas três continuam sendo as maiores referências para nós”.
Raízes sangrentas raízes
Muitos dos shows que a Coveiros e outras bandas de Porto Velho conseguiram fazer se deu por iniciativas conjuntas, possibilitando a produção local circular pelo Brasil. Em 2002, os rockeiros se aproximaram do movimento do Hip Hop da Floresta e dessa união de forças surgiu o Festival Beradeiros. Nomeado a partir da cultura da beira, foi um meio de evidenciar um aspecto de identidade cultural e ressignificar o termo “beradeiro” para além da imagem de caipira ignorante que o termo carregava anteriormente. Em retrospecto, foi um movimento vanguardista considerando o valor que o termo tem hoje na cultura portovelhense. Dessa composição, nasceu também bandas como o Quilomblocada e o Beradelia, que são influentes e importantes na história da cena local. Para Giovanni, um dos objetivos dessa mobilização era de mostrar como a produção de outros gêneros ainda faziam parte da cultura portovelhense: “A Coveiros é música beradeira, na nossa música a gente fala de Porto Velho, do Areal, do Mocambo, da Usina, do Rio Madeira. São aspectos nossos, de problemas nossos, mas que são globais, eu falo de segregação social, não é só Porto Velho que tem, tem em todo lugar”. A partir da criação do festival, criou-se uma integração de vários outros festivais do Brasil, como o Varadouro no Acre, o Calango em Cuiabá, o Se Rasgum em Belém, o Porão do Rock em Brasília e o Abril Pro Rock em Recife. Assim era possível se sustentar nesse ramo sem que deixassem suas terras natais para se mudarem para os grandes centros culturais, como Rio de Janeiro e São Paulo.
Dessas incursões pelos estados brasileiros, momentos se destacam como conta Giovanni: “ Em 2006, mais ou menos, tocamos no Calango, tem no Youtube o pedaço que começa a nossa apresentação, que eu falo assim: ‘diretamente do Rio Madeira, diretamente da Amazônia, Coveiros’. No outro dia, fomos pra uma conferência, com todas as bandas no teatro e um cara de São Paulo falou ‘Ontem eu vi uma banda que me inspirou, aquilo é o espírito do rock n roll’ e a gente lá quieto no fundo, aí ele falou ‘Coveiros de Rondônia’, ficamos eufóricos”. Situações inusitadas também cruzaram o caminho dos músicos, como quando chegaram em Rio Branco para tocar num festival e a atendente confundiu eles com a banda Sepultura: “Quando a gente acordou, ela falou: ‘vocês querem que liguem a hidromassagem da Piscina?’ Queremos. ‘Vocês querem que fique um cara lá pra atender vocês no bar?’ Eu falei com certeza. Começamos a perceber, ela deve tá achando que nós somos a Sepultura. E foi mais ou menos isso. Quando a gente voltou do show ela perguntou como é que foi o show, se foi tudo bem, se gostamos da cidade.”
Desse mesmo festival, a Coveiros conheceu seus ídolos e a experiência ofereceu para eles outras perspectivas sobre fama: “A gente conheceu os caras do Sepultura, eles comeram pizza no camarim com a galera e tal. Todo mundo gente boa. Você tira um pouco dessa mística e vê que eles são iguais a gente. Porque você imagina esses caras famosos, e pensa assim, como é que eles sentam? Igual a gente, né? Não muda nada.” Nesse sentido, a Coveiros e tantas outras bandas do interior do Brasil tinham isso em comum com bandas do sudeste, eles eram iguais no sentido que não havia alguém melhor ou pior e a cena de Porto Velho merecia um espaço para tocar tanto quanto os outros. Infelizmente, devido a diversos fatores tanto coletivos quanto pessoais, o movimento acabou se voltando para o eixo Rio-São Paulo e o circuito acabou. Giovanni acredita que se não houvesse desistência, teríamos um movimento constante e que se perpetuaria, como aconteceu em Recife com o Manguebeat: “ Isso se perdeu, morreu essa perspectiva. Mas ela quase deu certo.”
Segundo o músico, há uma dificuldade para juntar público em shows para ouvir material original das bandas, existindo mais interesse e oportunidades para tocar covers, uma rima amarga com os primórdios da Coveiros. “A gente já bateu muito nessa tecla em 2000, de dizer chega de cover, vamos fazer música própria. Tocamos muito Ramones no começo. Ouviam Coveiros porque queriam ouvir Ramones, e a gente tocava. Essa música agora é ‘Sheena is a Punk Rocker’, agora ‘Blitzkrieg Bop’, aí todo mundo animava. Aí ‘Pet Sematery’, todo mundo animava de novo, aí eu falava assim: ‘agora é uma música nossa’ e aí sentavam e ficavam olhando você. E a gente falou ‘foda-se, vamos tocar nossas músicas’. Então a galera foi se acostumando até que mais ou menos ali em 2003, 2004, não tinha mais cover.” Para tocar material original, a cidade ainda oferece alguns festivais, como o Casarão, o Madeira Rock, Metal’Lúrgica, ou então o bar histórico Beco do Sapateiro. Iniciativas surgem para montar locais de show improvisados, mas a dinâmica da cidade mudou e o público não se renovou, chamar novas pessoas é um desafio.
Metamorfoses ambulantes
Apesar de certo cansaço, há ainda uma força dentro desses músicos para continuar a tocar e divulgar seus projetos. Ano passado, a banda relançou o disco “Já Falei Demais”, numa versão remasterizada e disponível nos principais streamings de música. Retornar a esse álbum também é um lembrete do quão longe eles foram, além de promover a conservação da memória não só do rock portovelhense, mas da música nacional. Sobre álbuns, a banda gravou diversos CDs de forma independente e caseira, e esse processo era o mesmo para a confecção de quase tudo relacionado a banda. O som foi mudando entre esses trabalhos, mas a essência “do it yourself”, inerente do Punk onde eles começaram, continuou apesar das experimentações com diferentes facetas do rock. Os primeiros flertes com o metal vieram ainda com muita dificuldade, já que não era facilmente difundido, mas a aura de lenda urbana que essas bandas tinham dava um atrativo a mais para conhecer: “Não era fácil, não tinha onde ouvir, não vendia nada aqui, então assim, a gente abriu uma revista e lá falava sobre um disco clássico do Slayer, o “Raining Blood”. Você lia as revistas e todo mundo falava como era absurdo, que você iria sair querendo matar as pessoas, que era um som muito louco, só que a gente não conhecia. Quando a gente começou a conhecer? Quando começou a ter internet”. Um dos meios de baixar e ouvir esses clássicos do metal era através do eMule, uma versão mais rudimentar de serviços como o torrent. Além disso, circulava ainda fitas que as pessoas gravavam de clipes que passavam na MTV, e esse ecossistema de fãs possibilitava uma maior difusão dessa música. A partir disso, elementos como a palhetada foram aparecendo no som da Coveiros. Já o solo de guitarra surgiu quando o guitarrista original se mudou para Manaus, e com a entrada do substituto, que tinha um background mais metaleiro, introduziu esse elemento no som da banda. O segundo disco, intitulado “Massacre Nunca Mais”, conta com uma imagem da Estrada de Ferro em completo descaso, Giovanni explica o pensamento por trás dessa escolha criativa: ”Esse disco tem uma música de mesmo nome, que fala de uma coisa bem atual, mas que já acontecia em 2002, que é o massacre de palestinos por Israel, mas a ideia do ‘Massacre Nunca Mais’ quer dizer não massacrar a sua história, por isso que era a Estrada de Ferro”.
Porém, a primeira vez que tiveram contato com um estúdio propriamente dito foi na gravação do “Já Falei Demais” em 2005, feito na ocasião do Madeira Rock Festival. Giovanni conta com detalhes a experiência: “O cara que gravou tava acostumado a fazer vinheta de político, cantor de forró, não tinha experiência com uma banda pesada. Então ele fez, mas não ficou como a gente imaginava. Agora com tecnologia, conseguimos remasterizar esse disco relançamos ele ano passado. São músicas que, inclusive, fazia muito tempo que a gente nem toca, que eu nem lembro mais as letras”. Esse trabalho em específico projetou o nome da banda e vários shows foram marcados aproveitando esse boom de popularidade. Foram convidados até para tocar na Virada Cultural em São Paulo, mas não puderam ir devido a falta de recursos.
A partir dele começou a formar um grupo de pessoas que conheciam as músicas do grupo, mesmo que não conseguissem cantar junto: ”É uma gritaria, mas no refrão conseguem participar. É muito engraçado isso, porque, por exemplo, “Sua Cara Sua Bunda Não Veja a Diferença” é uma coisa que a galera canta no show e pedem. Eu canto “Sua cara” e coloco o microfone na plateia e eles respondem “sua bunda, não veja a diferença”. A gente escreveu já imaginando essa participação”. Esse hit que Giovanni fala é do quarto disco e último lançado até agora intitulado “Catarse” de 2013. Sem um disco novo desde esse lançamento, há músicas que ainda não foram gravadas, mas que carregam uma nova evolução do repertório da banda. Com duração breve, explosivas, letras simples e combativas, a Coveiros está orientada hoje para o Grindcore, fugindo dos rebuscamentos passados. São 15 a 16 músicas inéditas, mas que já puderam ser ouvidas nas performances pelos fãs assíduos.
Órfãos da Utopia
O principal motivador para que a Coveiros esteja intacta até hoje é pelo simples prazer de fazer música. Giovanni é sincero e diz que a banda não gera recursos, tendo ganhado os primeiros cachês nos festivais Boto Rock e Casarão, e também não junta o público de antes. Além da Coveiros, ele iniciou uma banda paralela chamada Electric Fuleragem, um trocadilho com “Electric Funeral” do Black Sabbath, mas que é tocada apenas entre seus amigos em momentos de lazer. Não há mais as pretensões de grandeza do início de carreira, mas com tantos anos tocando, tanto ele quanto os outros integrantes acumulam amizades e lições que carregam até hoje. A vida nos palcos ensinou ao vocalista da Coveiros a não se importar com as críticas: ”Não vou nem repetir pra vocês as coisas que a gente já ouviu no palco. Porque você tá tocando uma música e você tá falando pra galera: me julgue, mas a gente se acostuma. Eu tinha muito problema com crítica pessoal. Tô respondendo por mim, mas pros meninos, provavelmente, deve ser uma coisa similar.”
A banda também trouxe uma certa responsabilidade devido ao legado que carregam estando tantos anos em atividade, Giovanni explica que tenta acompanhar os novos atos que surgem, principalmente os autorais. Numa anedota, contou que tocava em eventos junta com a banda Versalle, mas nunca havia prestado atenção direito. Com o tempo, as músicas do grupo iniciante chegava em seus ouvidos e percebia que havia um potencial ali, sendo também convidado pelo baixista da Versalle, na época seu aluno na faculdade, a ir em um de seus shows. E de repente, eles estavam na maior emissora de televisão brasileira. Esse contato é significativo, tanto porque um dia Giovanni já foi um novato e a troca com a geração posterior carrega um valor simbólico: ”Eu sei qual é o meu papel na cena hoje. Eu sou pra muitos moleques o que a DHC foi pra mim. Uma vez estava conversando com outra banda, fui me apresentar e falaram: ‘Tu é doido a gente tem banda porque a gente viu você tocando, a gente sabe quem é você’. Tento não falhar, porque eu achava muito massa quando os caras das bandas antigas falavam com a gente”.
Sobre o rumo que deve ser tomado para revitalizar a cena, Giovanni considera uma questão difícil, mas tem uma ideia por onde começar: ”O que devemos fazer é buscar tirar o o rock desse pedestal do intelectual, começar falar de coisas do cotidiano, porque é isso que faz a gente se aproximar à música. Também temos que tocar na periferia, fazer show na Praça do Orgulho, fazer show na Praça do Cristal do Calama, fazer show em lugares acessíveis, porque em pub você tem que pagar. Assim a gente conseguimos fortalecer o circuito interno”. Há ainda uma vontade de iniciar um movimento nos moldes do Beradeiros em 2004, mas o músico salienta que é preciso uma rotatividade na liderança e organização, devido ao cansaço e a falta de um retorno financeiro. Mesmo com tantas dificuldades impostas não só para começar esses empreendimentos, mas também mantê-los, Giovanni ainda acredita nesse potencial dentro de Porto Velho: “Essas coisas vão se amarrando uma na outra e às vezes de maneira espontânea como foi em 2000, 2001, 2004. A gente falou: ‘vamos fazer’ ou às vezes de maneira mais ordenada tipo, um grupo começar a organizar isso, mas pode acontecer, ninguém vai ficar rico, mas pelo menos uma cena vai surgir”.